Páginas do Futuro – Contos Brasileiros de Ficção Científica
Autores: Bráulio Tavares (org), Joaquim Manuel de Macedo, Raquel de Queiroz, Ataíde Tartari, Joaquim Manoel de Macedo, Oswald Beresford, Rubem Fonseca, Finisia Fidelis, Fábio Fernandes, Fausto Fawcett, André Carneiro, Luis Bras, Jerônymo Monteiro, Ademir Assunção.
Ilustrações: Romero Cavalcanti
Editora: Casa da Palavra
Ano: 2012
160 páginas
Bráulio Tavares, autor bastante conhecido no fandom e no meio literário, busca reunir neste volume diverso autores, de várias épocas da literatura de ficção científica. Alguns textos foram feitos por autores ligados ao mainstream, como é o caso de Joaquim Manuel de Macedo e Raquel de Queiroz outros militam exclusivamente na ficção científica, como é o caso de Finisia Fidelis ou ainda outros que transitam entre os dois mundos como o caso de André Carneiro e Luis Bras, gerando visões sobre o gênero e sobre a maneira de mostrar o futuro bastante diversificada. O texto é precedido por um bom ensaio do organizador sobre o gênero em si e sobre as razões de suas escolhas. Cada conto é precedido por uma pequena biografia de cada autor, contextualizando-o no tempo e espaço para que o leitor possa ter uma melhor apreciação daquilo que vai ler.
A coletânea abre com o conto Ma-Hôre, de Raquel de Queiroz, uma excelente história sobre um alienígena que é tirado de seu mundo por uma expedição de humanos. O grande questionamento é: temos o direito de interferir no destino de criaturas apenas por mero capricho? O texto é belíssimo, flertando com a prosa poética, centrando a narrativa no ponto de vista no alienígena.
Ataíde Tartari brinca com o desejo de muitas pessoas de conhecer antecipadamente o que virá em sua vida em Veja seu futuro. Neste conto, um rapaz descobre em uma loja no centro velho de São Paulo um fotógrafo que, por meio de uma máquina, era capaz de mostrar o futuro para quem desejasse ver. Mesmo com a advertência de que a maioria das pessoas não gostava do resultado, o rapaz pede pra ver o seu. Ao contrario da maioria, rapaz gosta do que vê e procura o velho fotógrafo toda vez que tem de tomar alguma decisão importante na vida. O desfecho é bem conduzido, chegando a surpreender o leitor, brincando com os limites entre realidade e ilusão.
Ao ladoa do desejo de ver o futuro estrá o medo do fim do mundo, assunto de que trata o conto de Joaquim Manoel de Macedo, O Fim do Mundo. Nele, um jovem ator acha que o mundo vai acabar e decide escapar da hecatombe a qualquer preço, o que gera bastante humor ao texto. O conto é hilariante, com uma crítica social aguda e mordaz à sociedade da época. Percebemos que muita coisa não mudou do século XIX para cá. É particularmente engraçada a cena do empilhamento dos bancos (instituições financeiras) para que personagem consiga alcançar a lua (uma metáfora para os juros estratosféricos – qualquer semelhança com hoje em dia é mera coincidência).
Qualquer um que topasse com um conto com o título O Inimigo Gaseificado, ou a Vingança do Senhor Concreto, para um conto de ficção científica publicado nos anos 20, certamente ficaria tentado a pelo menos saber do que se trata.
O autor é o brasileiro Oswald Beresford que morreu jovem e teve sua principal obra queimada pelo próprio pai, mostra neste conto uma grande imaginação.
Num futuro distante dois empreendedores se digladiam disputando o mesmo mercado: pessoas próximas da morte. Um, por meio de produtos farmacológicos e tecnológicos, se propunha a aumentar a vida e restaurar a juventude de quem o procurasse. O outro vendia suicídio assistido, para aqueles que desejassem morrer.
O texto é conduzido com muito humor, mais corrosivo que o de Macedo, já que tocava não só comportamentos e política, mas algumas questões filosóficas mais profundas.
Rubens Fonseca, autor conhecido por ter dado uma cara brasileira ao romance policial, nos traz O Quarto Selo (Fragmento). Embora fã do gênero, quase nunca escreveu ficção científica e este conto é uma exceção. Ambientado num Rio de Janeiro futurista, high tech e distópico, é um bem conduzido thriller sobre ação de assassinos profissionais.
Em Exercícios de Silêncio, de Finísia Fidelis, conto presente também na antologia Os Melhores Contos Brasileiros de Ficção Científica, um astronauta tem que resolver um problema em sua espaçonave, porém está num planeta sem recursos técnicos. A única coisa que os nativos têm a lhe oferecer é um exercício de meditação, teoricamente para ajudá-lo a suportar seu exílio forçado naquele mundo.
Mesmo para os que já leram este conto na citada antologia (ou em algum outro lugar, visto que ele é um dos mais reproduzidos da autora), o conto merece uma segunda leitura.
Fábio Fernandes, parodiando um compêndio de história e livros de divulgação científica, conta, em Uma Breve História da Maquinidade, a história das Máquinas, mostrando sua evolução desde a segunda criatura do Dr. Victor Frankstein, que abandonara os cadáveres para usar engrenagens e vapor. A narrativa pode se classificada de Steampunk. Há algumas passagens dignas de nota: como a adesão de Marx à luta pelos direitos das máquinas e a guerra entre duas empresas fabricantes de “Cérebros Mecânicos”.
Em Vanessa Von Chrysler, de Fausto Fawcett narra a história de uma mulher selvagem, descendente de vikings. Ela é congelada pelos nazistas, como o último exemplo da mais pura representante da raça ariana. Vendida num leilão, é ressuscitada por um antiquário. Num ritmo frenético, o autor conta a história de sua fuga e caçada pelas ruas do Rio de Janeiro.
André Carneiro, o mais antigo autor de ficção científica brasileiro ainda vivo, narra em Do outro lado da janela a história de um homem compra uma TV e nota uma mancha na tela. Sua preocupação aumenta quando nenhum técnico consegue tirá-la. Aos poucos, a mancha transforma-se numa obsessão. Um conto com ares do seriado Além da Imaginação. Uma fábula bem escrita sobre o fascínio que a televisão exerce sobre nós, independente de seu conteúdo.
Em Déjà-vu, Luis Brás cria um conto sobre viagem no tempo, com uma influência bem marcada de Lovecraft e que trabalha com a forma de narrar. O conto pode ser lido no sentido normal, do começo ao fim, onde o tempo está voltando, ou no sentido inverso, do fim para o começo, onde o tempo anda para frente. As duas experiências de leitura, são, como diria Spock, fascinantes.
O conto O Copo de Cristal, de Jerônymo Monteiro também foi bastante reproduzido e apareceu na antologia Os Melhores Contos Brasileiros de Ficção Científica. Um copo de cristal tem o poder de mostrar o futuro, retratando vários momentos da humanidade. Conto com forte mensagem anti-belicista.
Ademir Assunção, autor de fora do meio de ficção científica, aceitou o desafio de Bráulio Tavares e criou o excelente 15 Minutos. Neste conto, o núcleo de um software de controle de uma rede mundial está prestes a ser invadido por um hacker de codinome Unabomber (lembrando um ativista dos anos 70-80). O conto tem um suspense bem conduzido até o desfecho, com um final que nos faz pensar. Um bom arremate para a antologia.
-23.548943
-46.638818